Há algumas semanas ocorreu uma polémica entre a PSP e Câmara de Lisboa por causa das regras de utilização de trotinetes na Capital. Pelo menos uma empresa disponibiliza trotinetes elétricas para aluguer de curta duração em Lisboa, situação que gerou inúmeras dúvidas em relação às regras a que se sujeitam. Na altura, a PSP defendia, com base no código da estrada, que o uso de capacete era obrigatório. O concessionário do serviço e a Câmara de Lisboa defendiam o contrário. Pouco importa o desfecho, que por acaso foi favorável ao concessionário: o que interessa é perceber as zonas cinzentas que as novas modalidades de mobilidade trazem.
O aluguer deste tipo de veículos visa mudar a mobilidade, evitando o recurso à viatura, mas permitindo modos de deslocação mais cómodos que a pé e mais flexíveis e abrangentes que os transportes coletivos. Aliás, noutras cidades onde se usam mais este tipo de trotinetes, a discussão tem sido em relação ao abuso dos utentes que as largam (e levantam) em qualquer lugar, (nos passeios, nas entradas das casas, nas escadas de acesso, etc.), sem preocupação com o obstáculo que criam para os peões e outros utentes dos passeios. Estas novas formas de mobilidade, como as trotinetes e as bicicletas, manuais ou elétricas, os Segways e as hoverboards, criam enormes novos desafios, para se equilibrar e regulamentar o seu uso com o acesso pedonal às vias e aos passeios e, simultaneamente, para fomentar a mobilidade alternativa aos carros e às motas. Há poucos dias a PSP teve uma ação de fiscalização e sensibilização nos Açores, destinada aos utentes destas novas mobilidades, sobretudo aos velocípedes. Este tipo de ações é muito importante, pois há pouquíssima informação nesta matéria. Aliás, como não é preciso carta para estes veículos, o mais normal é que os seus “condutores” nem conheçam o código de estrada…
Desde logo, qualquer destes novos veículos com motores elétricos, traz um novo elemento em relação à circulação pedonal: a velocidade. Esse problema não se punha com apenas a mobilidade pedonal: não é para qualquer um correr a dez quilómetros à hora, durante três quilómetros … Nunca vi um peão (a fazer exercício ou apenas com muita pressa), a derrubar gente ou mobiliário urbano, como esplanadas e bancos, por ir a correr demasiado depressa no meio dos outros peões. Como nunca vi ser aplicada uma multa a uma pessoa nessa situação. Porém, a partir do momento em que as hoverboards, os Segways, as trotinetes, as bicicletas, os monociclos e até as cadeiras de rodas e os triciclos para pessoas de mobilidade reduzida, têm motores elétricos, pela sua dimensão, peso e velocidade, criam novos desafios no uso dos passeios e das estradas.
Não são veículos que possam acompanhar o andamento dos carros, camiões e motas na estrada, e se calhar nem sequer acompanham a pedalada dos papa-reformas… porém, são veículos que têm outra dimensão, peso e velocidade comparativamente aos peões em andamento normal. Depois ainda há os patins, as skateboards e algumas modalidades motorizadas ou elétricas que já existem ou poderão existir nos próximos anos, mas que, pela sua dimensão (como os patins) ainda poderão baralhar mais este cenário.
Estas inovações baralham e complicam, não só o uso dos passeios, mas o uso da estrada. Parece-me um exagero equiparar as bicicletas (não elétricas), a carros nalgumas situações do código de estrada, mas percebo que não haja uma definição clara de onde encaixar o brinquedo que passa a ser veículo.
Talvez seja necessário criar um novo conceito de veículos e acessórios que são apenas uma extensão da pessoa. Neste caso, podem-se incluir bengalas, andarilhos, patins e talvez alguns outros veículos pequenos, mesmo que motorizados. E os restantes, que pelas suas características de velocidade, peso e dimensão, não encaixem neste conceito, mas não são carros ou motas tradicionais, terão que ter um enquadramento intermédio entre os carros e os primeiros, sempre tendo em conta a necessidade de se manter a simplicidade do acesso e uso, como fator de facilitar a circulação alternativa.
Isto para, claro está, proteger os utentes, os peões e os condutores. É que, na mobilidade, a lei da selva é quase sempre mortal.
12/02/2019
Nuno Melo Alves